Quando íamos de férias, cobríamos os móveis com jornais de papel, onde se via, acima de tudo, aqueles grafemas pretos e gastos pelo tempo. O pai fazia uma leitura em primeira-mão, clara e fresca, ao pequeno-almoço; depois a dona Amália lia para minha mãe, uma senhora um pouco dado à preguiça de ler jornais, por não se tratar de escrita literária. Não sei o que perdeu, nem o que ganhou com isso, o que sei é que minha mãe tinha as suas leituras de eleição. Registava, num caderno de folhas brancas e capa amarela, as leituras feitas e aquelas que viriam: Camilo, Eça, Pessanha, Antero, Pessoa, Virgílio Ferreira, Sophia, Luísa Ducla Soares, Ilse Losa e algumas mais. Por carta, recebia muitos poemas que tinham sido lidos pelas amigas e cuja leitura lhe recomendavam. Entre esses encontrava-se “Há palavras que nos beijam” de Alexandre O‘Neill. Este transmitiu-mo de memória minha mãe, por isso o guardo na minha como uma relíquia. Os jornais lá de casa continuam frescos e em cima da mesa ao pequeno-almoço, enquanto o sol queimar no Verão, a chuva bater incessante nas janelas do Inverno, e as folhas das árvores caírem como notas musicais e se transformarem em pétalas de rosas na Primavera e em pão na mesa…
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